
MP volta atrás e PM vira réu por morte de jovem rendido em SP
Procurador-Geral de Justiça descartou legítima defesa do soldado ao atirar contra Matias Caviquiole, de 24 anos. Para ele, jovem não tentou tirar cassetete do policial nem agredi-lo. A Ponte divulgou com exclusividade imagens da ação
O soldado da Polícia Militar do Estado de São Paulo Dernival Santos Silva virou réu pela morte do jovem Matias Menezes Caviquiole, de 24 anos. O caso chegou a ser arquivado em janeiro deste ano após a Justiça de São Paulo entender que Dernival agiu em legítima defesa. A reviravolta aconteceu após o Procurador-Geral de Justiça, Paulo Sérgio de Oliveira e Costa, descartar essa tese e reconhecer que, desarmado, Matias não tentou tirar o cassetete do policial e nem agredi-lo.
O caso chegou à PGJ após recurso apresentado pela Defensoria Pública do Estado de São Paulo. Esse instrumento aconteceu após a promotora do caso, Renata Cristina de Oliveira Mayer, ter solicitado o arquivamento, alegando que o policial agiu em legítima defesa. Esse procedimento feito pela Defensoria foi uma forma de recorrer dentro do próprio Ministério Público do Estado de São Paulo (MP-SP) da decisão — como uma segunda instância da instituição.
A promotora Renata Cristina de Oliveira Mayer disse ter ficado “evidenciada a ocorrência da excludente de ilicitude da legítima defesa”. Renata teve acesso às imagens das câmeras corporais dos policiais que participaram da ação, divulgadas com exclusividade pela Ponte em janeiro deste ano [veja vídeo acima].
Na decisão, a promotora escreveu que as imagens da câmera corporal do PM mostram Matias “partindo para cima”, “tentando, aparentemente, retirar algo de suas mãos”, momento em que houve o disparo. No requerimento assinado em novembro de 2024, ela afirma que o policial não agiu com excesso, já que efetuou um único disparo.
O PGJ determinou que outro promotor fosse designado para o caso, seguindo seu entendimento pela denúncia. Na última quinta-feira (6/3), a promotora Amanda de Araújo Guimarães denunciou o policial e, na mesma data, a juíza Isabel Begalli Rodriguez aceitou a denúncia, tornando Dernival réu por homicídio.
PGJ descarta legítima defesa
No recurso apresentado à PGJ, a Defensoria Pública pediu que, além das câmeras corporais, fosse analisado também um vídeo que mostra outro ângulo da ação. Essa imagem foi divulgada à época do crime pela Ponte e outros veículos de imprensa. Para Paulo Sérgio de Oliveira e Costa, por meio da análise das imagens, “é possível verificar que a vítima, que estava desarmada, não tentou se apoderar do cassetete ou da arma de fogo do investigado nem praticou ato de agressão contra ele que pudesse justificar eventual defesa e o disparo por ele efetuado”.
O PGJ ressaltou ainda que a versão de legítima defesa não foi apresentada por Dernival no depoimento à Polícia Civil. O soldado falou que o tiro foi disparado de forma acidental ao se abaixar para pegar o cassetete que estava no chão. Dernival também teria agido em desacordo com o Procedimento Operacional Padrão da Polícia Militar, escreveu o PGJ. Na imagem da câmera corporal, é possível ver o agente com a arma apontada para a cabeça de Matias, encostando o armamento contra o jovem e o empurrando com ela.
“Assim, ao agir dessa forma e sem observar as regras estabelecidas no procedimento operacional padrão estabelecido pela Polícia Militar do Estado de São Paulo (fls. 367/381), assumiu o risco de atingi-la, o que, de fato, aconteceu”, pontuou.
Relembre o caso
Matias Menezes Caviquiole foi morto por Dernival no dia 5 de novembro de 2023, no bairro do Capão Redondo, Zona Sul de São Paulo. Um vídeo feito por testemunhas registrou que o jovem estava rendido no momento em que foi alvejado.
Segundo o MP-SP, policiais militares estavam no bairro abordando um motociclista que rodava com o veículo sem placas. Matias acompanhava a situação e teria tentado a ação dos policiais. A Ponte teve acesso às câmeras de Dernival e do policial Endrick Heras Gomes. Nas imagens, que mostram a chegada da dupla para auxiliar a ocorrência, não é possível ver o jovem interferindo na abordagem.
O que dizem as autoridades
A Ponte procurou a Secretaria da Segurança Pública do Estado de São Paulo (SSP-SP) questionando sobre o andamento do Processo Administrativo Exoneratório instaurado contra o policial. Também foi solicitada ao Ministério Público do Estado de São Paulo (MP-SP) uma manifestação sobre o caso.
Em nota, a promotora Amanda de Araujo Guimarães confirmou a denúncia conta o PM. “O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO ofereceu denúncia em desfavor de Dernival Santos Silva pelos fatos ocorridos em 05 de novembro de 2023, tendo como vítima Matias Menezes Caviquiole. A denúncia foi recebida pelo Poder Judiciário e a ação criminal está em regular trâmite, aguardando-se a citação e demais atos processuais”, escreveu.
Publicação original: Ponte Jornalismo