No Reino Unido, Greve Geral levanta bandeira por direito à greve e manifestações

No Reino Unido, Greve Geral levanta bandeira por direito à greve e manifestações

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Cerca de meio milhão de trabalhadores aderiram à paralisação, que também reivindica melhores salários e condições de trabalho

Trabalhadores britânicos de setores da Educação, Saúde, Transportes e outros serviços públicos têm se mobilizado intensamente no último período. O levante terá seu ápice no dia 1º de fevereiro, quarta-feira próxima, quando acontecerá uma Greve Geral em todo o Reino Unido.

Para entender melhor as lutas, a CSP-Conlutas falou com o vice-presidente da TUC Liverpool, Martin Ralph, que é uma organização que reúne sindicatos de diversas categorias da região, fortalecendo as entidades e suas interrelações. 

Estima-se que meio milhão de trabalhadoras e trabalhadores farão parte deste importante dia de Greve Geral.

 

CSP-Conlutas: Martin, pode nos explicar melhor sobre a onda de greves no Reino Unido?

Martin Ralph: A raiva e a determinação de luta dos trabalhadores por sobrevivência culminou finalmente em um dia de Greve Geral coordenada nacionalmente para 1º de fevereiro de 2023.

O dia é convocado por cinco sindicatos, de professores de escolas e professores e pessoal de apoio de universidades (NEU e UCU), maquinistas de trem (RMT e ASLEF), servidores públicos (PCS). Aproximadamente meio milhão de trabalhadores estarão em greve.

Os sindicatos envolvidos lutam por melhores salários e outros direitos, mas a principal bandeira levantada neste 1º de fevereiro é "O Direito à Greve". Isso porque o governo iniciou um processo parlamentar que determina que os sindicatos mantenham um nível mínimo de contingente durante as greves. Em outras palavras, um jeitinho de manter um grupo de pelegos trabalhando durante a greve. Se os sindicatos não acatam essa determinação nas áreas da saúde, transportes, bombeiros, etc., os fundos sindicais podem ser sequestrados.

Na segunda-feira, 30 de janeiro, o governo tentará tirar o direito à greve de forma efetiva. No final da mesma semana, a pauta da Lei de Ordem Pública seguirá em trâmite nas duas casas legislativas. Esta é a lei mais repressiva e será usada, se aprovada, para retirar o direito de protesto e colocar mais ativistas e trabalhadores na cadeia com ordens preventivas.

É por isso que a Greve Geral de 1º de fevereiro e a continuação do movimento é o único meio eficaz de parar e derrotar o governo.

As greves vêm crescendo há um ano, expressando a profunda raiva em relação à vida dos trabalhadores e ao futuro de todas as famílias da classe de conjunto. Há muitas greves, algumas nacionais, algumas regionais e algumas locais. Tem havido greves por fora dos sindicatos, e a marcha de 60 mil sindicatos em Londres, em junho de 2022, expressaram uma revolta que segue aumentando desde 2010.

Houve muitas greves em janeiro e outras estão planejadas para fevereiro em todo o país. Ainda assim, a maioria não é coordenada, mesmo que o Congresso do TUC tenha concordado, em 18 de outubro, em organizar greves coordenadas entre sindicatos e entre seções.

Os homens e mulheres em greve expressam muito mais do que muitos líderes. Em quase todos os piquetes em que conversamos, eles dizem querer essa coordenação para construir uma greve geral. Todos os trabalhadores em greve dizem que não há uma vitória fácil, que levará tempo e que a luta contra os empregadores e o governo será dura. E o governo está na ofensiva. As greves acontecem nos setores público e privado, porque muitos setores do governo foram privatizados.

As atenções estão, sobretudo, no NHS (sistema nacional público de saúde). Assim como se deu para todos os trabalhadores, os aumentos salariais foram mantidos abaixo da inflação por 13 anos, desde o início das políticas de austeridade no NHS. Durante este tempo, surgiram "bancos de alimentos", e no ano passado "bancos de calor" [espaços para que pessoas sem calefação possam se esquentar] porque muitas famílias de baixa renda não podem "se aquecer e comer". Os bancos de alimentos substituíram, até certo ponto, os auxílios sociais.

Os enfermeiros e trabalhadores da saúde, como o pessoal das ambulâncias, têm imenso apoio da população; todos nós podemos ser pacientes. Durante e depois da COVID, 40 mil enfermeiros abandonaram os postos de trabalho porque a tensão é enorme, e os enfermeiros nos dizem, sim, que esta é uma política do governo, para sucatear e privatizar o SNS; os enfermeiros largam o trabalho porque é mais fácil, por exemplo, terem melhores salários trabalhando nos supermercados. Muito já foi privatizado, mas as empresas mantêm o logotipo do SNS como se fosse público. É por isso que há um apoio maciço aos trabalhadores da saúde - todos sabem que nossas vidas dependem deles.

CC: Quais setores estão em greve e quais são as demandas específicas?

MR: As greves nacionais são compostas pelos trabalhadores ferroviários da RMT, maquinistas de trens da RMT e Aslef, Correios (CWU Post Office), enfermeiros (RCN - Royal College of Nursing) trabalhadores públicos e estatais (PCS) e de universidades UCU.

As greves acontecem de um a dois dias, repetidamente semana após semana. A RMT e a CWU estão em greve há seis meses. Houve um dia de greves coordenadas. Os trabalhadores estatais da PCS ganharam a votação em assembleia nacional em mais de 100 locais por ações de greve.

Ao mesmo tempo, muitas fábricas, motoristas de ônibus, trabalhadores de limpeza, etc., também estão fazendo greve. Eles são membros, principalmente, do Unite, GMB ou Unison.

Os motoristas de ônibus obtiveram vitórias importantes em muitas regiões do país, com greves semanais que possibilitaram aumentos substanciais nos salários.

A demanda central é a paridade da inflação ou acima, mas existem muitas outras demandas. Nas ferrovias, os empregadores querem o fim dos guardas. O RMT se recusa a aceitar a remoção dos guardas, mas essa também tem sido uma exigência do governo, que defende a demanda em nome dos muitos empregadores privatizados que "dominam” a indústria ferroviária. 

Os empregos têm piorado para muitos, além dos baixos salários: piores condições de trabalho, aumento da precariedade, assédio, carga de trabalho e reforma previdenciária - tanto pública quanto privada. As empresas públicas privadas e privatizadas dão somas consideráveis aos CEOs e acionistas, os dividendos pagos aos acionistas crescem três vezes mais rápido do que os salários na última década. 

Isso se aplica aos trabalhadores dos correios, ferroviários, petrolíferos e de gás, e motoristas de ônibus, já que os trabalhadores recebem aumentos salariais abaixo da inflação desde antes da greve.

O governo se recusa a aumentar o orçamento do setor de saúde, educação e serviço público para aumentos salariais e o salário mínimo não é suficiente.  É por isso que o TUC fez um chamado para um protesto sindical em frente ao parlamento em 15 de março, dia do orçamento nacional, para exigir um aumento no orçamento para os serviços públicos e pelo fim da lei anti-greve.

CC: Essas mobilizações são consequências de anos de austeridade e também têm relação com a pandemia e a guerra na Ucrânia?

MR: Há uma junção de questões, mas a primeira é a crise econômica e financeira que vem de 2008/09, a austeridade, a pandemia e a invasão russa, com o mau funcionamento da oferta capitalista e a exploração. Mas em algumas áreas, as batalhas dos anos 80 continuam vivas e sendo grandes problemas, porque muitas das áreas de mineração nunca se recuperaram dos ataques de Margaret Thatcher.

Estes fatores criam uma crise de custo de vida, ou melhor, uma crise de custo de ganância, experimentada nas contas de energia e alimentos. Os ataques aos salários, serviços públicos, empregos e direitos dos trabalhadores estão impulsionando o recuo da luta. Dependendo do parâmetro oficial utilizado, a inflação está entre 11% e 14%. Mas toda família sabe que a inflação sobre os alimentos essenciais é muito mais alta. A pobreza está aumentando e, recentemente, o Royal College of GPs disse que há aumentos alarmantes na deficiência de vitaminas entre os pobres e um número crescente de pessoas que recusam atestados negativos de saúde por não terem condições de deixar de trabalhar.

As condições de vida dos trabalhadores têm sido reduzidas; as dívidas estão aumentando. Os preços da energia terão subido 300% em quase um ano. O leite, a manteiga, o pão, o óleo e muitos outros alimentos essenciais aumentaram de preço bem acima da inflação. Mas os lucros só crescem.

Enquanto a pobreza está aumentando, a desigualdade de renda entre ricos e pobres , e a riqueza para poucos, continuam a aumentar. Em 2016, 10% das famílias mais ricas detinham 44% de toda a riqueza. Os 50% mais pobres, em contraste, possuiam apenas 9%. Os 0,1% mais ricos tiveram uma participação dobrada na riqueza total entre 1984 e 2013, chegando a 9%.

Os lucros obtidos pelas empresas de energia continuarão, a menos que os trabalhadores parem com isso. Seus lucros poderiam pagar os salários que estão sendo exigidos muitas vezes. Milhões de trabalhadores assistem a esta história do capitalismo britânico e sua imensa ganância e arrogância.

CC: Qual o perfil dos ativistas que participam destas greves? Há movimento de base na organização das greves?

MR: A verdadeira raiva vem principalmente de baixo, mas a organização vem de cima. Estamos em um ponto crítico. A classe trabalhadora mostra que quer lutar, realizando um número de greves  muito maior do que durante 30 ou 40 anos.

Existem tendências sindicais de esquerda, mas somente em alguns sindicatos, que pressionam pela construção das greves e por um plano de ação grevista. Mas poucos têm pressionado as entidades sindicais para construir uma greve geral.

O RCN tinha uma cláusula, por 100 anos, que é "não fazemos greve". Mas a crise é tão profunda no NHS que eles tiveram que concordar em convocar essas paralisações. No entanto, nos piquetes, eles tentam manter outras bandeiras sindicais de fora, tais como do RMT, CWU, e trabalhadores do Sindicato de Estaleiros de Liverpool. Entretanto, os enfermeiros recebem calorosamente os trabalhadores de outras categorias.

E em lugares como Liverpool, foram organizadas manifestações a partir de hospitais liderados pelos enfermeiros e apoiados por trabalhadores em greve ou que estavam em “estado de greve”. O movimento desse setor da saúde orientou que fossem construídos comitês de greve dentro de cada hospital. Em alguns casos, isto foi feito. Agora os enfermeiros do RCN precisam desenvolver tais organizações. O RCN e todos os sindicatos de saúde não estão participando no dia 1º de fevereiro. Eles realizaram greves antes e têm outras programadas para depois do dia primeiro. Outros sindicatos também não estão participando, mas poderiam.

Pode ser que a próxima ação coordenada aconteça em 15 de março (dia do orçamento do governo), uma vez que os sindicatos exigirão mais investimentos do governo. O sindicato dos professores da NEU estará em greve nesse dia e se manifestará do lado de fora do parlamento. Todos os sindicatos deveriam estar em greve e juntar-se a eles. Neste momento, alguns sindicatos anunciaram contagem regressiva para greve até 15/3.

Isto significa que a base deve exercer imensa pressão através do vasto número de filiais locais e nos comitês executivos nacionais. Essa discussão deve aumentar nas linhas de piquete e em todas as assembleias de 1º de fevereiro.

Mick Lynch, o proeminente líder da RMT, é um herói de classe porque lidou muito bem com todos os ataques da mídia. Ele tem mostrado com frequência que os entrevistadores da mídia principal estão fazendo perguntas infundadas ou trabalhando com mentiras. Ele pede uma greve geral de 24 horas em maio. Mas por que não uma greve geral no dia 15 de março, e depois uma mais em maio? E por que apenas um dia de greve?

Em algumas das greves, como a de enfermagem, as mulheres estão em grande maioria. Os ativistas trabalhadores em algumas cidades criaram grupos de apoio à greve que fizeram algumas conexões com os comitês de vizinhança da classe trabalhadora e daqueles que lutam contra as contas de energia sob o lema "Não pague", os envolvidos nos direitos dos inquilinos, os movimentos LGBTQ+, ou aqueles que lutam pelos contra os despejos, aluguéis altos e alojamentos precários.

CC: Há alguma questão importante a responder que não tenha sido levantada por mim? 

MR: O governo, a burocracia sindical ou o Partido Trabalhista não podem deter a onda de greve no momento, mas estão tentando de maneiras diferentes. E mesmo que a raiva permaneça muito profunda, é preciso construir laços ainda mais profundos entre os sindicatos. Não apenas discussões em nível da TUC, mas em todos os níveis, de forma democrática e transparente, por parte da classe trabalhadora de base, para unir todos os blocos na luta por uma greve geral e desenvolver assim um programa que reúna e organize todos os desempregados e oprimidos para uma batalha organizada contra inflação, a austeridade e os ataques aos nossos direitos de greve e de manifestação.

Por causa de organizações sindicais como a CSP-Conlutas e a Rede Sindical Internacional de Solidariedade e Lutas, muitos sindicatos militantes enviaram mensagens de solidariedade: do Brasil, Argentina, Costa Rica, Chile, Colômbia, França, Alemanha, Itália, Espanha, África do Sul e EUA.

Parte do pano de fundo é o aumento da luta dos trabalhadores na Europa e em outros países do mundo.  Desde setembro, houve sete greves gerais na Europa (França, Bélgica, Itália e Grécia).

É essencial aprofundar as conexões internacionais, a solidariedade e as ações conjuntas da classe trabalhadora. As mensagens enviadas em vídeo ou texto são calorosamente recebidas e criam mais interesse pelo que está acontecendo em outros países. Alguns membros dos grupos de apoio à greve, especialmente no WhatsApp, queriam saber detalhes da recente reunião com a Rede em Paris. A UCULeft convidou um grevista de língua francesa para fazer estas conexões, um trabalhador ferroviário de Londres falou em uma reunião nacional do italiano No Austerity. Grupos sindicalistas alemães fizeram um protesto em frente à embaixada britânica em Berlim, no dia 1º de janeiro, em defesa do “Direito à Greve”.

Queremos aproveitar esta oportunidade para agradecer à CSP-Conlutas, a todos os sindicatos da América Latina e àqueles que, em todo o mundo, enviaram mensagens de solidariedade. Agradecemos e fazemos um chamado aos sindicatos que ainda não enviaram mensagens, para que o façam. De nossa parte, faremos com que elas sejam amplamente distribuídas.

Construamos a coordenação! Construamos uma greve geral para vencer e derrubar o governo!

 

 

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