Trabalho e renda: Um balanço do Governo Jair Bolsonaro

Trabalho e renda: Um balanço do Governo Jair Bolsonaro

Ana Paula Santanna

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Desde 2019, primeiro ano da gestão do governo Bolsonaro, o Ilaese produziu estudos sobre aspectos diversos da realidade brasileira, buscando compreender e traduzir para o movimento social o significado profundo do bolsonarismo.

O grupo político que governou o país nos últimos quatro anos deixa um legado nefasto para a classe trabalhadora e para o povo pobre. É importante fazer um balanço sobre esse período.

Antes de começar, ponhamos as coisas em seu lugar

É necessário resgatar que o rebaixamento do nível de vida da classe trabalhadora não começou em 2019.

Os fenômenos mais à superfície expressam mudanças estruturais e não são simples decisão de um governo isoladamente. Em outras palavras, os governos petistas também deram sua contribuição para o avanço do neoliberalismo sobre os direitos da maioria da população. Bem como, antes deles, os governos FHC, Itamar e Collor.

Esta afirmação é uma conclusão, mas também um ponto de partida. Por isso é essencial colocá-la no começo do balanço que agora começamos propriamente.

Trabalho formal

A equipe econômica e o próprio Bolsonaro nunca esconderam que acreditavam ter o trabalhador brasileiro direitos de mais.

"Tudo o que é demais atrapalha. É tanto direito que os patrões, os empreendedores, contratam o mínimo possível e pagam o mínimo possível", disse e arrematou com a frase que ficou famosa: seria preciso escolher entre "menos direito e mais emprego ou todos os direitos e o desemprego", afirmava Bolsonaro na mídia em junho de 2022.

Comparando a evolução do emprego com carteira assinada, segundo o Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio). As vagas formais (com carteira assinada) cresceram entre 2018 e 2021. Embora os dados de 2022 ainda não estejam fechados, a tendência deve se manter. Ao mesmo tempo, verificou-se uma tendência de queda na renda média desses trabalhadores.

Poderíamos supor que a pandemia se apresentasse como uma variável dessa conta, ajudando na queda da renda da classe trabalhadora. No entanto, mesmo com o controle da pandemia, a queda não se reverteu. Cresceu a quantidade de empregos formais em mais de 2,4 milhões, enquanto a renda média caiu em R$137,86 no período entre 2018 e 2022.

A informalidade também cresceu. O gráfico abaixo mostra a variação entre 2019 e 2022 (3º trimestre). A quantidade de trabalhadores informais bateu recorde em 2022, cerca de 39,14 milhões. Só sem carteira de trabalho assinada do setor privado em 2022 foram 13,21 milhões e mais 4,4 milhões de empregados domésticos, somando um total de 17,61 milhões.

É bom salientar que de um total de 5,88 milhões de empregados domésticos no país, os 4,4 milhões sem carteira assinada representam 74,8% do total desses empregados. Na verdade, majoritariamente temos mulheres negras empregadas nessa categoria.

Durante a pandemia, ferramentas como Uber Eats, iFood e Rappi atraíram os trabalhadores e se apresentaram como uma alternativa de sobrevivência. A viabilidade de trabalhar nesses serviços permitiu encontrar uma solução temporária à falta de emprego, ainda que as relações trabalhistas não sejam respaldadas por proteção ao trabalho.

De acordo com estudo de Marcelo Manzano e André Krein, a partir da PNAD 2019, desde 2012 o crescimento desse contigente foi contínuo. Mas o salto entre 2019 e 2020 é inegável, especialmente entre os condutores de motocicleta. Este material chegou a ser citado no estudo do Ilaese “Os impactos da Reforma Trabalhista de 2017 na Estrutura Sindical Brasileira.

Se no início a falta de regulamentação do trabalho apareceu como uma liberdade para trabalhadores em categorias novas, como a dos entregadores de aplicativos, a realidade cobrou um preço. Com baixos rendimentos e falta de assistência, esses indivíduos passaram a se reconhecer enquanto trabalhadores e não mais como empreendedores. Perceberam que a luta coletiva era o caminho para que pudessem superar as debilidades e a precariedade.

Esse movimento traz consigo um conjunto de reflexões acerca do desenvolvimento das relações de trabalho no Brasil e o papel que as organizações classistas de mais tradição têm. Em nosso país temos uma massa de trabalhadores que não estão em empregos formais e consequentemente, não são representados pelo movimento sindical.

No entanto, a existência desse conjunto de pessoas é parte da pressão que os capitalistas podem fazer contra os trabalhadores formais como demonstramos. Como enfrentar a retirada de direitos se a grande maioria nem direitos tem? O movimento dos trabalhadores tem uma tarefa: lutar para unir forças com essa massa de pessoas sem emprego ou subempregada. É uma forma fundamental de enfrentar, inclusive, os ataques contra o movimento sindical que vem dos governos e patrões. A força da classe trabalhadora encontra-se exatamente na sua união, em sua coletividade.

Desemprego

O IBGE anunciou que o desemprego (3 º Trimestre de 2022) foi de 8,7%, o mais baixo índice desde 2015. Esse valor é calculado pela relação entre a quantidade de desocupados (9,46 milhões) e pela quantidade de ocupados (108,729 milhões). 

Esses “desocupados” são aqueles que procuram ou que procuraram emprego no mês anterior à pesquisa e não encontraram. Ou seja, se a pessoa estiver sem um emprego, mas não tiver tomado iniciativa de procurá-lo, não será contabilizado. Portanto, é um critério que não reflete toda a realidade do Brasil.

Para resolver essa questão e de fato desenhar um quadro completo da situação da classe trabalhadora em nosso país, o Ilaese (Instituto Latino Americano de Estudos Socioeconômicos) busca trabalhar com um conceito mais amplo para o desemprego. Tomamos, assim, o critério do exército industrial de reserva, pois esse assume todos que estão sem emprego, por qualquer motivo e aqueles que estão subempregados, ou seja, que estão em uma função precária, sem direitos.

Damos o nome de exército industrial de reserva a esse conjunto, pois são pessoas que facilmente largariam sua ocupação precária ou a falta dela, por um emprego formal, mesmo que esse se apresente sem todos os direitos trabalhistas. E é com isso que os capitalistas e os governos contam para aumentar ainda mais a exploração. 

Com isso vemos que temos um contingente de cerca de 85,7 milhões de pessoas sem emprego ou subempregadas que forma esse enorme contingente de exército industrial de reserva que são utilizados de acordo com os interesses capitalistas. Houve em 2022 a redução do total, pois reduziu os sem emprego, mas continuou crescendo o número de subempregados.  

Ou seja, vem evoluindo a quantidade de pessoas no exército industrial de reserva. Podemos afirmar, que o Brasil é um país do trabalho precário e com falta de emprego formal. 

Pandemia não pode servir de álibi para Bolsonaro

Mesmo diante dos fatos trazidos, o leitor pode se perguntar se toda essa situação não foi fruto da pandemia. De fato, o governo Jair Bolsonaro usa até hoje o argumento de que a piora na vida da população se deveu às medidas de isolamento social. Isso é falso, mas é importante entender por quê.

Com o fechamento do comércio sem auxílio aos pequenos comerciantes, com a paralisação de algumas atividades por um determinado período e ao mesmo tempo a permanência de atividades que foram consideradas essenciais e que resultaram na morte de milhares de pessoas, os números do desemprego e da fome aumentaram.

No entanto, já entramos na pandemia necessitando de amparo, com as ferramentas mais frágeis do que possuíamos no período anterior; com a flexibilização das relações de trabalho, nas quais o negociado vale mais que o legislado e com isso, com muito mais facilidade para demissões. Com um governo que havia acabado de implementar a MP da Carteira Verde Amarela, pressionando para que virasse Lei. Em um ano saltamos de 45 milhões de pessoas sem emprego para 63 milhões. Frente a esses números, fica nítido porque houve mais de 100 milhões de pedidos de auxílio-emergencial. Também percebemos como foi insuficiente o número de auxílios concedidos pelo governo para conter a fome e a miséria.

Se houve um grande movimento de ataque aos trabalhadores, através das medidas provisórias que viabilizaram a suspensão do trabalho com uma contrapartida governamental, o que foi feito dos trabalhadores que não tinham um vínculo formal de trabalho? Com o grande ataque prévio ao trabalho formal, foi preciso apenas não fazer nada.

Por fim, vale lembrar ainda que entre as políticas que geram prejuízos à população está a PEC 32, o equivalente da reforma trabalhista para o setor público. Um de seus objetivos é acabar com a estabilidade da maioria dos servidores e multiplicar vínculos precários no serviço público.

Conclusão

Este balanço não estaria completo sem retomarmos brevemente uma avaliação desenvolvida no Contracorrente nº 95 de outubro último. Ali, o pesquisador Nazareno Godeiro apontou:

“...Bolsonaro não é um acidente histórico, [...] se trata de uma necessidade urgente do capitalismo brasileiro em decomposição, [...] de um instrumento cego da classe dominante brasileira para destruir o país a serviço da pilhagem colonial, que está preparando uma guerra civil contra a classe trabalhadora, especialmente seu setor mais explorado e oprimido, negros e negras da periferia” [1].

Nesse sentido preciso é que afirmamos que a derrota eleitoral não significa o fim do bolsonarismo, muito menos do processo estrutural do qual foi a expressão por quatro anos. As diversas políticas de retirada de direitos populares, de um lado, e de favorecimento da burguesia, de outro, foram a contribuição da extrema-direita à recolonização do Brasil.

A “necessidade urgente” por trás disso segue viva. Derrotar esta tendência de aniquilação das condições de vida da classe trabalhadora requer uma ação decidida dos principais prejudicados nessa história.

Ana Paula Santana – Coodenadora do Ilaese (Instituto Latino Americano de Estudos Socioeconômicos)

 

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