A luta por território do povo originário indígena e dos quilombolas do Maranhão

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Indígenas acroás-gamelas e quilombolas organizados pelo Moquibom tem em comum a luta por seu território de origem. Resistem para serem reconhecidos como os primeiros povos da região onde vivem e terem o direito de permanecerem nela.

Esses segmentos estiveram presentes no 3° Congresso da CSP-Conlutas e suas lutas são marcadas pela batalha em se manterem vivos diante do constante embate com grileiros e o agronegócio. A disputa passa ainda pelo descaso do governo que paralisou o processo de demarcação de terras indígenas e quilombolas.

Povo gamela: resistir para existir

Mais de 1.400 pessoas da etnia Gamela vivem em Viana, município do Maranhão. Gracilnalva Akroá-Gamela e Idalina Akroá-Gamela fazem parte desse povoado. As duas vieram com a delegação do Maranhão e foram presenças marcantes no 3° Congresso da CSP-Conlutas.

“A nossa briga lá é pelo território. A nossa marca é a nossa resistência. Lá ninguém conseguiu tirar a gente das nossas terras”, reforçou Gracilnalva, cuja luta é pela demarcação da área em que vive junto a seu povo.

Os fazendeiros chegaram depois e se apossaram das terras do entorno da área indígena, onde o pasto para gado é predominante. “Desmatam, fazem capinzal, temos dificuldade de pegar o material para fazer nosso artesanato [extraído da fibra da planta guarimã], porque os invasores fazendeiros se apossaram de nossas terras e nossa matéria-prima está nesse território”, conta Idalina.

“A pessoa que eles conhecem no movimento fica marcada, é perigoso ir à fazenda pegar guarimã sozinho, porque não sai de lá vivo, principalmente se for mulher”, completa Gracilnalva. Ela é marcada e está na rede de procura deles, mas apesar disso não tem medo. “Nós, Gamela, não vamos ficar com medo, nós temos raiva por ser atacado, mas medo a gente não tem, e vamos lutar até nós conseguirmos demarcar nosso território, estamos preparados para isso”, ressaltou.

A resistência do povo gamela é concretizada nas retomadas de terras, ações de reocupação de áreas invadidas por grileiros e fazendeiros, antes pertencentes aos índios. Nos últimos tempos, nove retomadas foram feitas, sendo a de mais enfrentamento a realizada no último dia 30 de abril.

“Teve parente nosso com o braço e pernas cortadas, gente baleada. Não chegaram a matar, mas deixaram aleijado, ficaram feridas 21 pessoas, cinco, com gravidade”, relata Gracilnalva com o semblante de quem vivencia coisas assim rotineiramente.

“Quanto mais territórios eram retomados, mais ameaçados a gente era. Mesmo assim a gente segue enfrentando, e vamos enfrentar a todo tempo. Nós vamos resistir com a fé em Deus e nossos encantados que nos dá força. Lá nós fomos criados, nascemos, e é terra de nossos antepassados”, resgata Idalina.

Além dos Gamelas, mais outras cinco etnias também lutam por demarcação indígena na região.

No enfrentamento desleal por território, quilombolas “entregam o corpo para a bala”

A luta por território também é travada pelos povos quilombolas do Maranhão. Em Serrano, existem 11 comunidades.

De acordo com o quilombola Givalni de Nazaré Santos, o Gil Quilombola, que esteve presente junto à delegação do Moquibom, o estado não titula os territórios pertencentes aos quilombolas.

“A gente sabe desde criança onde a gente roça e pesca é o nosso território. Se o Estado não titula, não demarca, a gente vai fazer a autodemarcação pelas nossas mãos. Trabalhamos para colocar a importância do território na vida das pessoas quilombolas, retomando a educação, para que ele se sinta pertencente a sua origem”, salientou.

Há o descaso do governo com as comunidades tradicionais ao não cumprir o que a constituição garante no Artigo 68, que é titular os territórios quilombolas.

Aliado a esse cenário desfavorável, fazendeiros usam todos os artifícios para retirar os quilombolas de seu lugar pertencente.

O Maranhão é o líder em mortes de lideranças que lutam em defesa do território. Hoje, no Brasil, mais de 50 lideranças camponesas foram mortas nesses enfrentamentos.

“Os fazendeiros partem para cima, eles têm dinheiro, eles têm arma, então é ameaça todo o tempo contra os quilombolas. Para nós, só resta criar uma tática de defesa e lutar. Em último caso, a proteção para o território é você entregar o corpo para a bala”, alerta Gil.

Os quilombolas usam táticas de autodefesa, evitam fazer o mesmo caminho, andam sempre em grupo, e em última instância vão para o confronto.

O quilombo em que Gil vive é certificado pela Fundação Cultural Palmares como território quilombola, mas ainda não é titulado.

Para Gil, essa titulação ainda não aconteceu porque o Congresso defende os interesses da bancada ruralista. “O grupo da bala, da bíblia e do boi é quem dita o ritmo do agronegócio no Brasil. Eles não têm interesse nenhum em aprovar nada para quilombola”, explica. “A nossa esperança é em nós, na nossa resistência, na luta por retomada e nos nossos orixás que nos guiam”.

Escravidão moderna

Os quilombolas ainda lutam para poder roçar nas terras deles. Para poder fazer uma roça dentro de um território em que o fazendeiro diz que é dele, o quilombola tem que pagar para isso, o chamado foro, cujo pagamento é feito em produto, como a farinha. Os quilombolas não aceitam mais esse tipo de troca escandalosa o que tem gerado mais conflitos.

Moquibom na luta por território

Com a chegada do Movimento Moquibom esses conflitos ficaram em evidência. O movimento centra na luta por território, não somente na resistência cultural e educacional.

Gil explica que a mudança nesse recorte é para que as lideranças criem essa identidade territorial para permanecerem em sua terra de origem. Gil fez duras críticas aos governos petistas. Para ele o governo cooptou lideranças, que antes estavam no território, em troca de cargos nos gabinetes.

O Moquibom luta por território, por entender que não adianta levar, por exemplo, um programa de habitação, se aquelas terras não estão tituladas em nome dos quilombolas. Partindo disso, o movimento luta pela titulação do território, e depois pelas políticas públicas para melhorar a vida desses povos.

“Quilombo para nós é lugar de resistência, de rebeldia contra todas essas atrocidades do estado, lugar de liberdade, porque desde o tempo da escravidão os negros fugiam das fazendas e formavam o quilombo, é lugar de perseverança”, refletiu.

Gil destacou a importância dos povos quilombolas na participação no 3° Congresso da CSP-Conlutas. “Viemos aqui para reforçar que essa luta por território faça parte das bandeiras levantadas pela Central”, frisou. “Nesse Congresso percebo que estamos mais fortes, percebo que a nossa luta não está só aqui no Brasil, mas em todo o mundo e isso acaba fortalecendo a gente e vou levar isso para o meu quilombo”, finalizou.

Ao final da entrevista, o barulho de uma batucada chamou atenção de Gil que se reconheceu naquele som: “é o meu povo fazendo festa”, disse. Se encaminhou até o local onde acontecia uma roda de coco em que dançavam índios gamelas e quilombolas do Maranhão. Ali estava concretizada a unidade desses povos originários.

 

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