IPN: história negra resgatada nos subterrâneos do centro carioca

IPN: história negra resgatada nos subterrâneos do centro carioca

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Por: Claudia Costa

Passado enterrado no centro do Rio de Janeiro emergiu e expôs horrores cometidos contra o povo oriundo da África

“Reverenciar a história negra no Brasil e impedir seu apagamento” intenta o IPN (Instituto dos Pretos Novos) criado em 2005 no Rio de Janeiro para resgatar a cruel história dos que chegavam nos navios negreiros na então capital republicana.

Pesquisas arqueológicas indicaram que a região central carioca, próximo ao Cais do Valongo, abrigou os restos mortais de cerca de 30 mil africanos escravizados em uma sepultura coletiva no período de 1769 a 1830.   

Após as longas viagens, muitos já chegavam mortos nos portos ou com a saúde debilitada que os levava a óbito em seguida. As condições da viagem da África ao Brasil eram deploráveis conforme já apontaram pesquisa sobre o período.

As viagens podiam levar de um a dois meses. Muitos vinham acorrentados. Sem comida, água, nenhuma medicação que impedisse doenças - as principais as gastrointestinais, escorbuto e doenças infectocontagiosas ou contaminações -, boa parte não chegava com vida.

“Sequestravam os negros de seus países de origem para humilhar, escravizar, matar nosso povo. Para eles não éramos gente. Nossos antepassados morreram acorrentados, de fome, de sede e inúmeras doenças nos navios”, revolta-se o integrante do bloco afro Agbara Dudu Elias Alfredo, da CSP-Conlutas.   

Passado enterrado emerge na história

Os navios negreiros são marcas da tamanha crueldade desferida pelos colonizadores contra os povos africanos. Com o desembarque dos escravos anteriormente no cais da Praça XV, a transferência para o porto do Valongo se deu para que essa chegada fosse fora dos limites urbanos, tamanha era uma situação deplorável dos negros e negras na chegada dos navios.  

“O Valongo entrou, então, para a história da cidade como um local de horrores. Nele, os escravos que sobreviviam à viagem transatlântica recebiam o passaporte para a senzala. Os que não sobreviviam tinham seus corpos submetidos a enterro degradante. Para todos, era o cenário tétrico do comércio de carne humana”, escreveu José Murilo de Carvalho, para o prefácio do livro “À flor da terra: o cemitério dos pretos novos no Rio de Janeiro”, de Júlio Cesar Medeiros da Silva Pereira.

Essa história começou a ser resgatada com a reforma na casa de uma família de moradores da região em 1996 no bairro da Gamboa, no centro do Rio. No decorrer das escavações na casa de Merced Guimarães dos Anjos, do marido Petrúcio Guimarães e de suas três filhas, os trabalhadores começaram a encontrar ossos humanos. Com a quantidade significativa de material foi acionada uma equipe de investigação da Prefeitura do Rio de Janeiro. A partir de pesquisas observou-se que ali havia um cemitério, uma cova coletiva de negros.

Diante da descoberta, em 13 maio de 2005, nove anos depois, foi criado o IPN para que permitisse a continuidade das pesquisas e preservação do patrimônio material e imaterial africano e afro-brasileiro. A iniciativa era focada sítio histórico e arqueológico do Cemitério dos Pretos Novos com intuito de valorizar a memória e identidade cultural brasileira em diáspora.

Devido à importância histórica e antropológica, o Cais do Valongo, localizado na zona portuária do Rio de Janeiro, recebeu o título de Patrimônio Histórico da Humanidade pela Unesco em 9 de julho de 2017. É o único vestígio material da chegada dos africanos escravizados nas Américas.

O INP trabalha com ações continuadas: investigações arqueológicas e pesquisas, manutenção do acervo e atividades educativas, museu e eventos, preparados para gerar conhecimento e promover a reflexão sobre a escravidão e buscar igualdade racial no Brasil.

Uma reportagem do site Correio Nagô sintetiza a importância: “Nas pedras pisadas do Cais do Valongo, zona portuária do Rio de Janeiro, estão as memórias das dores e das formas de resistências da população africana e seus descendentes, vítimas da escravidão e do tráfico negreiro.”

É inegável a importância do instituto de memória. “O IPN tem o papel fundamental como grande guardião dessa memória, dessa história que é um legado dos nossos ancestrais que a gente precisa levar para todas as pessoas, nossos alunos, para a população em geral pra que a gente não deixe essa história morrer e para que a sociedade brasileira possa entender o que foi esse passado horrível da escravidão e que a gente possa lutar por uma sociedade mais justa e mais igualitária”, afirma o professor de História Claudio Honorato, pesquisador do instituto.

“O IPN é minha casa, é o lugar em que me sinto bem”, revela o professor.

Apesar da relevância da descoberta e do espaço, a falta de recursos já colocou em risco a existência do museu e das inúmeras ações que promove. O repasse anual que o Instituto chegou a receber da Prefeitura por meio da Companhia de Desenvolvimento Urbano da Região Portuária, no valor de R$85 mil reais, foi cortado em 2016.

Em 2017 foi obrigado a fechar as portas e retornou em seguida, voltando a enfrentar fortes dificuldades com a pandemia. “Agora sobrevive de doações privadas (de algumas pessoas e empresas) e, de vez em quando, conseguem alguma emenda parlamentar ou algum convênio pontual”, explica um dos doadores, comprometido com o projeto, que prefere não ser identificado.

Julio do QRC defende reparação histórica pela violência cometida contra os povos originários da África que enfrentaram os navios negreiros e se enfrentaram com situações tão degradantes no Brasil. “Poderíamos pedir reparação histórica pelo estudo de carbono da idade das vítimas, pelas ossadas e pelas perfurações, pelas formas como os ossos foram quebrados pelos castigos corporais. Todos crimes de lesa-humanidade imprescritível no estado brasileiro e nas nações que usaram o trabalho escravo e o aprisionamento nos navios negreiros principalmente Portugal”. Salienta.

O samba da Pedra do Sal

Um dos locais que compõe essa Pequena África, como é denominada a região, é a Pedra do Sal. Reivindicado desde a década de 1980 pelo movimento negro como parte da construção da história foi tombada em 1984 pelo Inepac (Instituto Estadual do Patrimônio Cultural), subordinado à Secretaria de Estado de Cultura do Rio de Janeiro.

O local era ponto de embarque e desembarque do sal que seria utilizado para a fabricação de couro e conserva de carne.

Expressão da cultura afro-baiano-carioca do período pós abolição e primeiras décadas do século XX, o espaço reunia escravos trabalhadores da estiva para fazerem oferendas tocar seus tambores e rodas de canto e batidas na palma das mãos.

O uso do prato-e-faca apontado  em show e live de Caetano e filhos como algo cômico e indicação de clima caseiro pela Folha de S. Paulo e revista Rolling Stones, demonstrando total desconhecimento da cultura africana, na realidade é uma referência ao instrumento usado nas rodas de samba desde aquele período.

Nomes tão conhecidos do samba vieram de lá. João da Baiana, um dos criadores do samba com seus versos incônicos, Tia Ciata, Pixinguinha, Donga, Heitor dos Prazeres e tantos outros. E o samba continua na Pedra do Sal, aos pés do Morro da Conceição, no Largo João da Baiana.

Roteiro histórico

O Centro do Rio de Janeiro é um arcabouço da história afrodescendente no Brasil. Vale a pena ser conhecida. Para isso, o INP organizou um roteiro com nove pontos referentes a história negra. Vale a pena visitar cada um deles.

Imagem: IPN

Imagem topo: Iphan

 

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