Violência contra a mulher: do assédio moral, sexual e psicológico ao feminicídio

Violência contra a mulher: do assédio moral, sexual e psicológico ao feminicídio

  • Facebook
  • Twitter

A violência de cada dia contra a mulher no Brasil

Jéssica, Sandra, Bianca, Laís, Bruna, Nair, Adriana, Ketelyn, mas poderia também ser Ana, Maria, Josefa, Lucila, Claudia, Rita, Adelaide, Paula, Rosa ou Cecília.  

Diariamente nos deparamos com notícias de violência contra a mulher. O sentimento é de repulsa e a percepção do quanto é difícil combater esse machismo tão naturalizado e arraigado ao sistema capitalista.

Casos recentes de mortes

Sooterama (ES): Adriana Pereira Santo, 42 anos, foi morta a facada na madrugada de terça-feira (26.7). Vizinhos acionaram a Polícia Militar após terem ouvido uma brigada entre ela e o companheiro Ramon Pereira dos Santos. Não era a primeira vez que sofria violência cometida por Ramon.

Blumenau (SC): Jéssica Mayara Ballock, de 23 anos, e seu filho de três meses foram encontrados mortos em um apartamento na segunda-feira (25.07), mas a morte aconteceu entre a noite de sexta (24) e a madrugada de sábado (25). O principal suspeito é o marido da vítima, Kélber Henrique Pereira. Mãe e filho foram encontrados degolados.

Paraíba do Sul (RJ): Bianca Rodrigues Siqueira Lima foi encontrada morta na noite de sábado (23.7), quando completava 12 anos. Sofreu estupro, estrangulamento e teve o corpo queimado enquanto ainda estava viva. Flávio Henrique Alves Teixeira foi preso em flagrante é apontado como autor do homicídio. É ex-companheiro da filha do padastro da vítima.

São Paulo (SP): Sandra Maria de Sousa Silva foi encontrada morta ao lado de um bebê de 8 meses num no apartamento na Sé, bairro da região central de São Paulo. Segundo a políciaela foi morta na noite de sexta-feira (22.7). O suspeito é o namorado, Davi Rodrigues, tenha cometido o crime. Segundo informações da irmã da vítima, o relacionamento marcado do dois era marcado por agressões. Estavam há pouco tempo juntos. Ele está desaparecido.

Poços de Caldas (MG): Laís Faria de Oliveira, 35 anos, foi esfaqueada 26 vezes por seu ex-companheiro na quinta-feira (21.07). O crime ocorreu na casa da própria vítima. Laís estava caída ao chão com várias perfurações e muito sangue. O criminoso teria feito contato com os militares após o crime, informando que iria se entregar. Porém, ele não compareceu na PM.

Campina Grande do Sul, na Região Metropolitana de Curitiba (PR): Karen Porto Gonçalves foi encontrada morta na manhã de quarta-feira (20.7). De acordo com testemunhas, a vítima estava enrolada em lençóis, na beira da estrada, no Jardim Eugênia Maria.

Vila Velha (ES): Bruna Pinheiro foi encontrada morta no início da manhã de terça-feira (19.7), na Estrada do Dique, às margens da Rodovia do Sol, em Vila Velha. Foi morta a tiros. Tinha três filhos. Carteira e documentos estavam no carro indicando que não foi roubo. Ainda não há suspeito.

Rodeio Bonito (RS): Lorecy Therezinha Gatti, 59 anos. A mulher foi encontrada em mulher com sinais de esganadura no pescoço na tarde de segunda-feira (18.7). O companheiro, de 60 anos, confessou o crime.

Campinas (SP): Adriana Tavares, 34 anos, foi morta a tiros na noite de domingo (17.7), enquanto tomava banho em casa. A vítima já tinha medida protetiva contra o ex-marido, que cometeu suicídio após o crime.

Gravataí (RS): Ketelyn Mota, 25 anos, e o namorado, Robson Fernando de Oliveira Ávila, 22, foram encontrados mortos dentro da casa da jovem. No começo da madrugada de sábado (16.7), uma equipe da Brigada Militar foi acionada por uma vizinha, que ouviu disparos de arma de fogo. O principal suspeito das mortes é o ex-companheiro de Ketelyn, Vagner Silveira da Costa, 34 anos, que já teve prisão preventiva decretada e está foragido.

Apenas uma pesquisada rápida na mídia diária e observa-se que não há um dia em que não haja uma notícia de feminicídio. Na maioria das vezes, o culpado é o marido ou ex-companheiro. São notícias na mídia tradicional de norte a sul do país. Contudo, a maior parte dos casos não é divulgada na mídia.  

O Anuário Brasileiro Sobre Segurança Pública indica que em 2021 uma mulher foi vítima de feminicídio a cada 7 horas no Brasil. Ou seja, ao menos 3 mulheres morrem por dia por serem mulheres. Foram 1.341 assassinadas e os casos foram classificados como feminicídio. O número representa uma leve queda em relação a 2020, quando foram registrados 1.354 casos (1,7%). Mas há subnotificação neste tipo de crime. Nas delegacias, muitos casos ainda são classificados como homicídios.

Integrante do coletivo Marielle Vive, Suzete Chaffin, licenciada da Secretaria Executiva Estadual da CSP-Conlutas, chama a atenção para a situação da mulher negra na questão da violência sobre os dados do Anuário: “Do total de mortes, 81% são cometidas pelo atual ou ex-companheiro e dessas 62% são negras”.

Formas e números da violência

Não é somente o feminicídio considerado violência contra a mulher. São várias as formas de violência: violência física, psicológica, sexual, moral, patrimonial. E os dados são assustadores.

Se o número de feminicídio caiu, os pesquisadores destacam que outros crimes contra as mulheres registraram resultados significativos e/ou aumentos, como denúncias de lesão corporal dolosa e chamadas de emergência para o 190 da polícia, que em geral são casos de violência doméstica, ameaças, pedidos de medidas protetivas de urgência, importunação sexual, divulgação de cena de sexo ou estupro, stalking (perseguição) e violência psicológica.

Integrante do Luta Popular, Vanessa Mendonça, da ocupação dos Queixadas, em Cajamar (SP), confirma que durante a pandemia a violência contra a mulher aumentou nas ocupações.

“A grande maioria das ocupações é construída por mulheres, muitas negras. Além de estar na linha de frente dos territórios, também passam por muito sofrimento, em especial a violência doméstica. Elas trabalham em casa, cuidam dos filhos, trabalham na rua e ao chegar em casa são agredidas de alguma forma pelos maridos psicologicamente, fisicamente”, relata.

Segundo Vanessa, na pandemia houve aumento de violência. “As pessoas ficaram mais tempo juntas dentro de casa, convivendo o tempo todo. As mulheres tiveram de conviver mais com seus companheiros, então aumentou a violência. Havia casos de mulheres que não podiam sair de casa, porque o companheiro que diz que gosta muito, acha que é proprietário e a mulher é uma posse, aí acaba agredindo a mulher”, lamenta a morada dos Queixadas.

Bebida alcoólica e desemprego são alguns dos fatores causadores da violência, mas não justificáveis. “Muitos deles têm problema de bebida alcoólica e por causa do desemprego diziam ficar estressados, como se a mulher não se estressasse também”, rebate a integrante do Luta, que complementa: “Eu acho que além da pandemia, da falta de emprego, da questão da fome, da carestia, a violência contra a mulher tem aumentado cada dia mais.”

Vanessa lembra que se aumentam os casos notificados os não notificados são inúmeros e sem qualquer visibilidade. “Esses casos não são noticiados, não temos esse acesso midiático”, reclama.

A brutalidade do estupro

O estupro é considerado um grave problema, com alta incidência em mulheres de todas as idades. De acordo com o Anuário, somente em 2021 houve 66.020 ocorrências de estupro em mulheres adultas e crianças e são números subnotificados. Os números reais seriam quatro vezes maiores e chegariam a cerca de 290 mil estupros.

O SUS (Sistema Único de Saúde) apontou dados de que mais de 17 mil garotas de até 14 anos foram mães.

Dados indicam também que a cada uma hora, ao menos quatro meninas menores de 13 anos são estupradas no Brasil.  

Um dos casos mais chocantes sobre violência foi noticiado no início do mês de julho, quando o médico anestesista Giovanni Quintella Bezerra foi preso em flagrante no Hospital da Mulher Heloneida Studart, em São João do Meriti, na Baixada Fluminense (RJ), por estuprar uma mulher grávida durante o parto. Após a ocorrência está sendo investigado o número de mulheres que podem ter sofrido estupro nas mãos do médico. Podem ter sido dezenas.

Colegas de trabalho desconfiados com atitudes suspeitas do anestesista - como o excesso da quantidade de uso da anestesia e um jaleco pouco usual, maior que os normalmente utilizados - resolveram filmá-lo com um celular escondido em um armário com porta de vidro. As imagens mostram o “profissional” colocar o pênis na boca da paciente enquanto outros profissionais realizavam o parto. Indiciado por estupro de vulnerável, poderá receber pena de 8 a 15 anos de reclusão.

É estarrecedor.

A perversidade do abuso de poder e do assédio

Dias antes, funcionárias da Caixa Econômica Federal a mídia divulgou a denúncia contra o presidente do banco Pedro Guimarães por assédio sexual. O caso está sendo investigado pelo Ministério Público Federal. As declarações de funcionárias causaram repulsa tamanho o grau de abuso de poder no ato do assédio.

Em seguida, foi publicada notícia de que a 1ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 10ª Região manteve a decisão de condenação do banco Santander referente ao pagamento de indenizações que totalizam R$ 275,4 milhões por danos morais coletivos aos empregados – cabe recurso da decisão. O motivo foi a instituição de metas abusivas e práticas de assédio moral que em alto número de funcionários provocaram adoecimentos mentais, como depressão e forte ansiedade.

Em 2014 e 2107, o Ministério Público do Trabalho entrou com ações civis públicas contra o banco devido às denúncias de prática de assédio moral.  

É urgente apontar saídas

Sob o governo Bolsonaro, vivemos um período de ações conservadoras e de direita sobre o direito das mulheres, que ferem principalmente as mais vulneráveis: as pobres e negras, porque dependem da saúde pública. Este se tornou um período em que as mulheres são desqualificadas e o machismo é estimulado, não algo a ser combatido. Portanto, garantir os direitos das mulheres é uma luta do conjunto da classe trabalhadora e do povo pobre como parte da luta contra a exploração e a opressão.

De acordo com Vanessa, é preciso avançar na luta contra a violência à mulher. “Nas ocupações do Luta Popular, em todas elas, fazemos reuniões de mulheres, para abordar o machismo, porque sabemos que a violência acontece mesmo. Até com homens fazemos alguns encontros porque para debater o machismo, porque é responsabilidade do homem entender e debater esse tema, mas é bem difícil. A gente precisa pensar de uma forma que possa ajudar essas companheiras e conscientizar os companheiros que não somos objetos, não somos um prêmio, não somos escravas, somos companheiras que estão juntas para lutar e sobreviver juntos.”    

Suzete reforça: “Aumentou em muito o número de casos, mas é preciso denunciar e acabar de vez com aquele ditado ‘em briga de marido e mulher não se mete a colher’. Mete sim. Ninguém pode se omitir diante do menor sinal de violência.”

A dirigente defende a intensificação do debate e políticas públicas: “Nós do Coletivo Marielle Vive vemos a importância de intensificar debates, rodas de conversas, palestras, orientações jurídica e psicológica bem como de lutar pela regulamentação e aplicação de leis existentes e a criação de leis de políticas públicas que atenda as necessidades de mais da metade da população – as mulheres”, aponta.

Integrante do MML (Movimento Mulheres em Luta, Marcela Azevedo, da Secretaria Executiva Nacional da CSP-Conlutas, reforça a importância da denúncia. “Não podemos ficar caladas diante dessa situação, é preciso que de maneira coletiva pensemos em redes de denúncia nos bairros, mas também em ações de autodefesa. A partir dessa organização local, precisamos nos mobilizar para exigir mais investimento público em políticas e serviços de combate à violência”, indica.

Marcela entende que no capitalismo a violência machista é parte da violência da sociedade de classes e que para por fim a esse sofrimento, é preciso destruir suas bases e apontar a construção de uma sociedade sem violência, opressão e exploração.

Suzete concorda e destaca a solidariedade entre as mulheres pobres e trabalhadoras. “É preciso ressaltar que as burguesas não vão defender os direitos da maioria que são mulheres trabalhadoras e negras. É fundamental ter coragem para denunciar toda e qualquer forma de violência, buscar apoio e contar com a solidariedade entre nós mulheres negras, trabalhadoras e pobres. É preciso parar essa escalada de violência e fortalecer a luta pela libertação das mulheres”, conclui.

Denuncie!

Se presenciar ou for vítima de qualquer tipo de violência contra a mulher, denuncie. Disque 180. É possível registrar denúncias, receber orientações e informações sobre leis e campanhas. A ligação é gratuita e o serviço funciona 24 horas por dia, todos os dias da semana.

Também é possível registrar a ocorrência em uma delegacia de polícia e nas DEAM (Delegacias Especiais de Atendimento à Mulher). A maioria da DEAM funciona 24 horas por dia, todos os dias.

O Samvvis (Serviço de Atendimento às Mulheres Vítimas de Violência Sexual) oferece acolhimento integral gratuito pelo SUS às vítimas de estupro.

Podem ser procuradas as Promotorias de Justiça de Defesa da Mulher em Situação de Violência Doméstica e Familiar, Núcleos de Atendimento às Mulheres Vítimas de Violência ou os Ministérios Públicos estaduais para mover uma ação penal pública, solicitar à Polícia Civil o início ou o prosseguimento de investigações e ao Poder Judiciário a concessão de medidas protetivas de urgência.

 

Informações de como denunciar compliadas pelo O Globo. Foto: Ato realizado em Copacabana para denunciar a violência contra a mulher/Agência Brasil

 

Rua Senador Feijó, 191. Praça da Sé - São Paulo/SP - CEP 01006000

Telefone: (11) 3106-8206 e 3241-5528. E-mail:  secretaria@cspconlutas.org.br

© CSP-Conlutas - Todos os direitos Reservados.

  • Facebook
  • Twitter
  • Youtube
  • Instagram
  • Flickr
  • WhatsApp