Argentina condena dez militares à prisão perpétua por crimes na ditadura

Argentina condena dez militares à prisão perpétua por crimes na ditadura

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Justiça argentina setencia à prisão perpértua dez militares por crimes cometidos na ditadura no país sul americano 

Dez militares foram condenados à prisão perpétua no maior julgamento por crimes contra a Humanidade realizado na Argentina desde 2006. Após três anos de trâmites judiciais, o ex-comandante Santiago Omar Riveros e outros nove acusados receberam a pena máxima. Outros foram sentenciados a penas de 4 a 22 anos.

O Campo de Mayo era o maior e o mais importante complexo do Exército no país sul americano, com cinco mil hectares, a 30 km de Buenos Aires. O local ficou conhecido como maior centro de prisões, torturas, crimes sexuais, homicídios e desaparecimentos de corpos, na ditadura militar argentina que compreendeu o período de 1976 a 1983.

De acordo com matéria de El País, organizações de direitos humanos estimam que pelo menos quatro mil detidos passaram por Campo de Mayo, dos quais menos de 1% sobreviveu. Neste processo foram julgados 323 crimes.

Alto grau de perversidade

As histórias são escabrosas. No centro clandestino de detenção e tortura havia uma maternidade em que mulheres grávidas presas davam à luz e os bebês eram entregues a terceiros com outra identidade. Dessas, 14 delas tiveram seus nomes incorporados neste julgamento. 

No início da semana, o Tribunal Federal de San Martín, onde ocorreu o julgamento, também comprovou a existência de "voos da morte" como método de extermínio que resultou na condenação à prisão perpétua de quatro ex-integrantes do Batalhão de Aviação 601. Eles eram responsáveis por esses voos. As vítimas eram lançadas vivas dos aviões no rio da Prata.

O ex-comandante dos Institutos Militares Santiago Omar Riveros, que estava no controle do Campo de Mayo, foi o primeiro a receber a sentença. Os juízes o consideraram responsável pelos crimes que lhe foram imputados contra mais de 200 vítimas. Aos 98 anos, o ex-chefe militar ouviu o veredicto de sua casa, onde cumpre prisão domiciliar por problemas de saúde.

Os condenados à prisão perpétua, que cometeram crimes de tortura, violação dos direitos e homicídios contra homens e mulheres, têm atualmente entre 79 e 98 anos.

A promotora Gabriela Sosti pediu ao Tribunal Federal San Martín a condenação por genocídio. “Devem ser julgados como genocídio, um crime que, diferentemente dos crimes contra a humanidade, carrega em seu DNA a vontade específica de destruir um grupo. O genocídio argentino foi um genocídio reorganizador”, argumentou durante o julgamento, segundo os site argentino Página|12.

Ao descrever os crimes pelos quais apurou a responsabilidade de todos os réus, a promotora apontou os “sequestros e torturas” foram aplicados para “obter informações” de pessoas. “Quando já obtiveram ou consideraram que não poderiam obter mais informações, passaram-nas [às vítimas] à disposição final. Eles se livraram deles como um equipamento”, acusou Sosti, segundo a imprensa.  

Memória, Justiça, Verdade e Reparação 

O julgamento é um dos mais importantes para crimes de terrorismo de Estado. Iniciado em abril de 2019, teve parte dos trâmites encaminhados durante da pandemia, quando a promotora definiu o Campo de Mayo como um "inferno aberto" durante os anos da ditadura militar argentina.

Este foi o maior julgamento por crimes contra a humanidade realizado na Argentina desde a anulação, em 2006, dos indultos aos dirigentes do regime militar e a revogação das leis de impunidade. Foram mais de 700 testemunhas, a maior parte delas de jovens militares que serviam o Exército na época. Isto porque a maioria das vítimas está morta.

As condenações foram celebradas por familiares das vítimas e ativistas com aplausos, abraços, fotos dos que foram mortos. Um ato em frente ao tribunal comemorou a reparação histórica dos crimes cometidos no regime militar.

Outro julgamento que teve tamanha envergadura na Argentina em número de vítimas e casos julgados foi o da Esma (Escola de Mecânica da Armada). Em 2017, condenou os responsáveis pelos crimes cometidos neste outro local clandestino de detenção da Marinha, em Buenos Aires.

Após o fim da ditadura militar, a mobilização e pressão por punição de militares no país, com a Mães de Maio entre as protagonistas da História, até março de 2022, a Justiça já condenou outras 1.058 pessoas em 273 sentenças. Todos esses crimes considerados terrorismo de Estado.

Brasil não puniu militares

No Brasil foi totalmente diferente. Em 2010, o STF (Supremo Tribunal Federal) reafirmou a  lei de anistia sancionada em 1979 pelos militares implicando que a grande maioria dos civis e militares com envolvimento nos crimes daquele período não pode ser julgada. A CNV (Comissão Nacional da Verdade) quando finalizou os trabalhos em 2014 apontou 377 nomes entre os autores de graves violações aos direitos humanos. Mas não foram julgados até hoje. Pelo contrário, o governo Bolsonaro, em recente audiência da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados, ex-conselheiros da Comissão de Anistia e pesquisadores denunciaram diversas irregularidades no órgão. Segundo dados do site da Comissão de Anistia, foram recebidos 79.183 requerimentos, dos quais 75 mil foram arquivados. Todos os requerimentos de pessoas perseguidas de alguma forma no regime ditatorial. 

Para o responsável pelo Iiep (Intercâmbio, Informações, Estudos e Pesquisas) Sebastião Neto, que encaminhou o Grupo de Trabalho 13 da Comissão Nacional da Verdade, defende que esta vitória resulte no avanço também da punição no Brasil.  “A batalha aqui cada vez mais é por verdade, memória, justiça e reparação. Com o inquérito contra a Volkswagen promovido pelo Ministério Público já avançamos uma casa. Temos ainda muito a fazer. Os chefes da ditadura empresarial-militar no Brasil continuam impunes. E temos ainda um governo coalhado de milicos, fazendo o mal contra o povo trabalhador”, comenta Neto se referindo aos processos contra empresas que tiveram participação no processo ditatorial brasileiro.

Com informações de O Globo, Página|12 e o El País. Foto principal. Familiares das vítimas e ativistas acompanham o julgamento. Rolando Andrade Stracuzzi | Associated Press

 

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