Estuprada, menina de 11 anos é proibida de realizar aborto legal em SC
É de uma crueldade tamanha. Uma menina de 11 anos, vítima de um estupro, foi proibida de fazer aborto legalmente. A criança está em um abrigo há mais de um mês por decisão da Justiça de Santa Catarina.
Logo que percebeu, a mãe procurou o Conselho Tutelar de Tijucas, município próximo à capital Florianópolis (SC), de onde foram encaminhadas ao Hospital Universitário da UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina), referência no serviço de aborto legal. Isso, no dia 4 de maio. Contudo, a equipe médica se recusou a realizar o procedimento, alegando que a criança estava com 22 semanas e dois dias de gravidez e no local só poderiam realizar o aborto até a 20ª semana, seguindo as orientações atuais do manual do Ministério da Saúde. O caso foi parar na Justiça.
De acordo com o Código Penal, em caso de violência sexual o procedimento pode ser realizado sem limitação para o tempo de gestação.
Além do estupro, a gravidez é de alto risco, um sério problema para a vida da menina se nada for feito. Essa situação foi reconhecida pela própria promotora do caso, Mirela Dutra Alberton, do Ministério Público SC: “Por óbvio, uma criança em tenra idade (10 anos) não possui estrutura biológica em estágio de formação apto para uma gestação”.
A promotora, segundo matéria do Intercept e Portal Catarinas, ajuizou uma ação cautelar pedindo o acolhimento institucional da criança, para protegê-la: “permanecer até verificar-se que não se encontra mais em situação de risco [de violência sexual] e possa retornar para a família natural”.
Entretanto, a juíza da Comarca de Tijucas Joana Ribeiro Zimmer induziu a criança a permanecer com o feto, negando o direito legal ao aborto seguro. Agregou à ida ao abrigo por proteção da criança contra o agressor ao fato de que “doravante, o risco é que a mãe efetue algum procedimento para operar a morte do bebê”. Um absurdo!
Nesta segunda-feira (20), a criança já havia completado 11 anos e está na 29ª semana de gravidez.
Em audiência, dias antes, a juíza chegou a perguntar à criança, que estava às vésperas do aniversário: “Você tem algum pedido especial de aniversário? Se tiver, é só pedir. Quer escolher o nome do bebê?”. Uma coação repugnante!
Na mesma audiência, a promotora de forma perversa sugeriu a manutenção da gravidez. “A gente mantinha mais uma ou duas semanas apenas a tua barriga, porque, para ele ter a chance de sobreviver mais, ele precisa tomar os medicamentos para o pulmão se formar completamente. Em vez de deixar ele morrer – porque já é um bebê, já é uma criança –, em vez de a gente tirar da tua barriga e ver ele morrendo e agonizando, é isso que acontece, porque o Brasil não concorda com a eutanásia, o Brasil não tem, não vai dar medicamento para ele… Ele vai nascer chorando, não [inaudível] medicamento para ele morrer”.
Rechaçar a perversidade
“Este é mais um caso absurdo que impede o direito ao aborto legal no Brasil. A justiça se mostra misógina e burguesa, ao ignorar o sofrimento da menina vítima de violência sexual e, sobretudo, o risco a sua vida”, repudia a dirigente do MML (Movimento Mulheres em Luta) Marcela Azevedo, da Secretaria Executiva Nacional da CSP-Conlutas.
Marcela denuncia como perversa a política do governo Bolsonaro e de sua ex-ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Damares Alves, que deu sustentação a esse tipo de prática, “com portarias e cartilhas que aterrorizam e criminalizam as mulheres e meninas pobres, da classe trabalhadora”.
A manutenção do feto a qualquer custo é, na realidade, uma materialização do Estatuto do Nascituro, que entrou em pauta na sociedade em 2021 por meio de emendas e campanhas. O estatuto quer dar direito civil ao feto em detrimento de uma pessoa. Mas não foi aprovado. Não é lei. Por isso não poder ser utilizado para impedir o aborto de uma criança.
Indignada, a dirigente do MML faz um chamado. “É preciso um levante de todas as organizações de mulheres e da classe trabalhadora para defender a vida dessa e tantas outras meninas. Não adianta querer canalizar tudo para o processo eleitoral, nossas vidas estão em risco agora, é preciso lutar já”.
O TJ-SC (Tribunal de Justiça de Santa Catarina) divulgou, por meio de nota no final da tarde desta segunda-feira (20), que a Corregedoria-Geral do órgão instaurou um pedido de análise da conduta da juíza que induziu uma menina de 11 anos vítima de estupro a desistir de fazer um aborto legal.
Para a análise, a Corregedoria baseia-se principalmente na audiência judicial.
O Coletivo Juntas divulgou uma petição pública na internet que cobra ao Conselho Nacional de Justiça o afastamento da juíza Joana Ribeiro.