Carta aos Brasileiros: eu estava lá

Carta aos Brasileiros: eu estava lá

Por Luiz Carlos Prates, Mancha

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Eu estava lá. Agosto de 1977, dia 8. Milhares de estudantes se reúnem no Largo São Francisco, na capital paulista, para ouvir a leitura da Carta aos Brasileiros redigida pelo jurista, famoso à época, Goffredo da Silva Telles Júnior. Era um desafio ao regime militar.

Vivíamos uma ditadura. Em maio deste mesmo ano, operários e estudantes, entre eles Celso Brambilla, Márcia Basseto Paes e José Maria de Almeida foram presos próximo ao 1° de Maio por estarem divulgando a data como dia de luta dos trabalhadores. Foram torturados por vários dias, acusados de pertencerem à Liga Operária (organização trotskista que atuava na clandestinidade, como todas as organizações políticas na época). Só eram permitidos dois partidos: a Arena, da situação, e o MDB, a oposição consentida.

As prisões geraram uma revolta entre os estudantes, a partir da ida de operários até a USP que foram denunciar a prisão dos seus companheiros e pedir ajuda. Assembleias nas universidades e passeatas (que eram proibidas)  se espalharam pelo país, como na USP, PUC e UFSCar. A UNE, que tinha sido colocada na ilegalidade em 1968, começa a ser reorganizada clandestinamente nos primeiros encontros. As mobilizações, a partir de maio, terminaram por libertar os presos e impulsionaram os primeiros movimentos pela Anistia aos presos políticos no país.

Foi nesse contexto de lutas estudantis que surge a Carta aos Brasileiros, que expressou uma insatisfação de juristas e setores médios com o regime. Teve uma importância histórica. No entanto, seu conteúdo era bastante limitado  frente às lutas que já estavam em curso naquele período.

Naquele dia 8, os órgãos de repressão também tinham uma grande quantidade de agentes infiltrados na multidão. O ato era a simples leitura da carta, acompanhada de jogral dos estudantes. Terminada a leitura, como representante dos DCEs fui jogado pra cima da sacada e depois de um curto discurso que terminou com “Abaixo a Ditadura!”, conclamamos a sair em passeata, o que foi prontamente assumido pela massa ali presente.

Ao descer do palanque fui retirado pela nossa equipe de ordem, para se safar dos agentes da repressão que vieram ao meu encalço. A passeata desceu para a Praça da Bandeira e pouco depois foi dispersada violentamente, como era de costume.

O movimento estudantil soube se aproveitar da divisão que começava entre os militares e a virada da intelectualidade jurídica em agosto para tocar o apito da panela de pressão. No ano seguinte surgem as greves operárias, que iniciaram no ABC Paulista e se estendem pelo país durante alguns anos e que levaram ao fim da ditadura militar.

A juventude e os trabalhadores não lutavam contra a ditadura apenas para ter o chamado Estado Democrático de Direito. Queríamos acabar com a exploração capitalista mantida pelo regime militar, queríamos o direito de comer, morar, amar, pelo direito de viver em liberdade, o que nos causou muitas demissões, prisões, torturas e mortes .

45 anos depois, estamos de volta ao Largo São Francisco, contra as ameaças do genocida Bolsonaro às liberdades democráticas duramente conquistadas e suas ameaças ao processo eleitoral. Mas a Nova República, surgida do fim da ditadura e hoje em crise, não resolveu as principais demandas do país e dos trabalhadores. A submissão às multinacionais e aos banqueiros, a miséria crescente e as desigualdades sociais continuam presentes.

A violência herdada do regime militar continua, principalmente na periferia contra o povo pobre, negros, mulheres, LGBTs. Nenhum militar ou torturador foi preso ou julgado, as restrições às organizações operárias no processo eleitoral são cada vez maiores.

Frente às ameaças golpistas do genocida Bolsonaro defendemos as liberdades democráticas e o direto das eleições que conquistamos à custa de muito sangue e luta, mas, assim como em 1977, os trabalhadores e a juventude precisam e querem mais que o “Estado Democrático de Direito”. Queremos o direito de acabar com a exploração capitalista , de eliminar a propriedade privada, de impedir que a barbárie se aprofunde e, para nós, isso se faz golpeando juntos contra as ameaças golpistas, mas caminhando separados na construção de uma alternativa socialista e revolucionária para o país.

Luiz Carlos Prates, o Mancha, é dirigente licenciado da Secretaria Executiva Nacional da CSP-Conlutas. Em 1977, era militante no movimento estudantil e da Liga Operária (organização que deu origem ao PSTU)

 

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