Governo Bolsonaro: A Amazônia Legal padece no reino da ilegalidade

Governo Bolsonaro: A Amazônia Legal padece no reino da ilegalidade

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Por: Claudia Costa

É triste. É revoltante. A ilegalidade tomou conta da Amazônia. Garimpo, queimadas, exploração de madeira, desmatamento, grilagem de terras, tráfico de drogas. São ações ilegais promovidas com extrema violência contra os povos originários, tradicionais e camponeses, além da destruição do meio ambiente.

O Estudo Cartografias das Violências na Região Amazônica, divulgado em fevereiro desse ano, aponta um crescimento de 47,3% nas mortes violentas intencionais na região de 2011 a 2020. Produzido pelo FBSP (Fórum Brasileiro de Segurança Pública), em parceria com o Instituto Clima e Sociedade e Grupo de Pesquisa Terra-UEPA (2021), a investigação indicou que em 2020, os estados da Amazônia Legal apresentam taxas de violência letal mais altas que a média nacional. Enquanto no Brasil, a taxa é de 23,9 mortes violentas intencionais a cada 100 mil habitantes, nos estados da região amazônica ela é de 29,6. No estado do Amapá a taxa é de 41,7, no Acre de 32,9 e no Pará de 32,5. São ainda mais altas.

No último dia 28, o SBSP divulgou levantamento que confirma que 10 das 30 cidades mais violentas do país estão na Amazônia. Os dados foram registrados de 2019 a 2021, usando como referência o índice de mortes a cada 100 mil habitantes nesses três anos.

O Fórum afirma que essa é uma expressão da violência em áreas fronteiriças e perto de comunidades indígenas e já existiam cotidianamente antes das mortes do indigenista Bruno Pereira e do jornalista Dom Philips.

O presidente do FBSP, Renato Sérgio de Lima, relaciona os crimes cometidos na Amazônia à omissão do Estado que conta também com a presença de facções criminosas, responsáveis pelo tráfico de armas e drogas para o Brasil. Contudo, se articula para além disso, pois envolve o garimpo, a pesca ilegal, o desmatamento e exploração de madeira, o combustível clandestino e transforma-se numa terra sem lei.

Lima salienta que o crime organizado se aproveita da ausência das Forças Armadas em áreas fronteiriças ou em terras indígenas para controlar as ações ilegais no território.

O projeto Amazônia 2030, iniciativa de pesquisadores brasileiros para desenvolver um plano de ações para a Amazônia brasileira, aponta que as mudanças na regulação da ocupação irregular de terras, da exploração ilegal de madeira e do garimpo, e nos mecanismos de monitoramento e punição à disposição do Estado, promoveram os incentivos à ilegalidade e, consequentemente, a incidência de violência na região.

O professor da UFPA (Universidade Federal do Pará) Gilberto Marques, do Programa de pós-graduação em Economia, explica que a violência na Amazônia sempre foi elevada, mas se intensificou no governo Bolsonaro. “Esta realidade reflete a luta de agricultores, ribeirinhos, quilombolas e povos indígenas contra setores da burguesia transnacional e contra os grileiros de terra. Mas com Bolsonaro esse quadro se agravou mais ainda, pois o próprio governo estimula o crime abertamente. Então, temos uma situação em que a grilagem de terras se intensificou assustadoramente nesta gestão federal”, denuncia.  

Em nota divulgada pela WWF-Brasil após a morte de Bruno e Dom, a organização governamental reafirma a política de destruição do governo Bolsonaro. "As declarações reiteradas do presidente da República de que é preciso escolta para transitar numa região onde há forte presença militar há muitos anos confirma que a tão proclamada soberania não existe: o Estado abandonou a Amazônia por conta de um projeto sem sentido de destruição da floresta e de extermínio de seus povos", consta do texto. 

Desmatamento e grilagem de terras


Exploração ilegal de madeira por grileiros em Roainópolis, no sul de Roraiama, em 2015. Foto: alberto César Araújo/Greenpeace  

“Em paralelo e diretamente vinculado, ocorre a degradação ambiental. O desmatamento entre 2020 e 2021 foi o maior dos últimos vinte anos”, resgata o professor.

Uma pesquisa feita pelo MapBiomas (Projeto de Mapeamento Anual do Uso e Cobertura da Terra no Brasil) aponta crescimento do desmatamento nos seis biomas brasileiros em 2020 resultando na perda de 24 árvores por segundo em 2020. Especificamente na Amazônia o aumento é de 9%, e a entidade calcula que 99,4% das áreas desmatadas apresentam sinais de irregularidade, ou seja, são fruto de ações ilegais.

Os índices percentuais em 2019 foram maiores do que o ano anterior e 63,2% maiores do que os do ano de 2015, informou o INPE (Instituto Nacional de Pesquisa e tecnologia). Já em 2020, só no primeiro semestre, o aumento foi de 25,6% em relação ao mesmo período do ano de 2019.

Dos territórios indígenas na Amazônia Legal, 270 das 424 existentes foram atingidas pelo desmatamento colocando em risco a existência desses povos.

Uma terra pode atingir até 20 vezes acima do valor se a área estiver desmatada.

Assim, no paraíso da ilegalidade, reina a grilagem de terras. O estudo Cartografias resgata pesquisa recente da Transparência Internacional do Brasil em que indica “que a grilagem se realiza por meio de processos corruptos e fraudulentos, como suborno de funcionários de órgãos ambientais, constituição de milícias privadas para expulsão de posseiros, falseamento de processos regulatórios, conluio com advogados, corretores e registradores”, ou seja se dá da forma mais espúria do crime, pois se desenvolve articulada com os meios institucionais.

A Comissão Pastoral da Terra (CPT), define a grilagem “como qualquer ação que resulte na tomada ou venda da posse de terras que pertencem ao poder público, proprietários particulares ou terras devolutas, mediante falsificação de documentos ou ações diretas, como invasões, desmatamento e incêndios, ameaças e expulsões, dentre outros”.

A grilagem de terra tem como objetivo imediato de uma forma geral a especulação. "Aquele que usurpa a terra de modo ilegal, da entrada em algum processo, tipo um CAR (Cadastro Ambiental Rural), que não é regularização ou mesmo título fraudulento e com isso vende a terra para outra pessoa que compra relativamente barata e vai regularizá-la com o argumento de que comprou de boa fé, sem saber que era ilegal. Militares, Lula, Temer e Bolsonaro regularizaram essa maracutaia", critica Gilberto.

Queimadas e destruição do meio ambiente

No rastro do desmatamento, chegam as queimadas. Historicamente, um método de produção usado pela agricultura familiar e por indígenas, que usam o fogo de forma controlada numa área limitada e que se repete ano após ano no mesmo lugar, não é a mesma queimada que fazem os grileiros e latifundiários. "Eles comentem incêndios criminosos para grilar terras e territórios ou reduzir a reserva legal de suas propriedades", explica o professor da UFPA. 

O Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) faz um monitoramento sobre essas ação e divulgou que mais uma vez a Amazônia registrou um recorde histórico no número de focos de queimadas. No último mês, foram detectados 2.562 focos de calor na região, o maior índice desde 2007, quando 3.519 incêndios foram registrados. Este é o terceiro ano consecutivo de alta no número de queimadas na floresta.

Desta vez, o número de incêndios foi o maior para o mês de junho em 15 anos. 

São 7,5 mil focos de incêndio nos dados do acumulado do semestre, um aumento de 18% em relação ao mesmo período de 2021. A Amazônia também registrou neste primeiro semestre de 2022 a maior área sob alerta de desmatamento em sete anos.

Garimpo e morte povos indígenas


O fotógrafo Seabstião Salgado chegou a fotografar os garimpeiros de Serra Pelada, o que resultou em uma expoisção e um livro

A Serra Pelada, no sul do Pará, nos primeiros anos da década de 1980, no período da ditadura militar, remeteu a Amazônia a uma profunda situação de barbárie. Considerado o maior garimpo a céu aberto do mundo, chegou fazer com que cerca de 100 mil homens se despencassem para o local em busca de ouro. De lá, calcula-se que foram extraídas 41 toneladas desse metal valioso e restou uma área poluída por mercúrio, usado para facilitar a separação do ouro. Mas lucraram mesmo foram empresas e militares com o negócio que passou a ser comandado pelo militar Sebastião Rodrigues de Moura, o Major Curió, o exército foi responsável pela repressão à Guerrilha do Araguaia, no Pará, no final dos anos de 1960 e início dos anos de 1970.

Fechada oficialmente em 1992, completa 30 anos de seu fechamento em 2022. E, 30 anos depois, a notícia da descoberta de uma nova área com ouro próximo ao local atrai novamente garimpeiros. Ou seja, o garimpo predatório não é um problema novo no Brasil, a questão é que veio ganhando contornos assustadores com a política estimuladora do governo Bolsonaro para essa  prática ilegal na Amazônia. Não satisfeito, chegou a assinar um decreto em fevereiro de 2022 para legalizar a prática. O estado do Pará é extremamente afetado por essa ação criminosa.   

Segundo pesquisa do MapBiomas, em 10 anos a atividade avançou 495% em terras indígenas e 301% em unidades de conservação ambiental. Grande parte, mas não a totalidade, dos garimpos ilegais estão em Roraima, atingindo violentamente os povos yanomamis, e em estados fronteiriços com a Venezuela, Colômbia, Guiana e Guiana Francesa.

Apesar de ser uma reserva indígena, a Raposa Serra do Sol, em Roraima, cuja área contempla os povos Wapichana, Patamona, Makuxi, Taurepang e Ingarikó, atualmente é um dos principais focos de conflito entre garimpeiros e indígenas.

O MapBiomas também constata que a terra indígena mais afetada pelo garimpo é a Kayapó, no Pará, com 7.602 hectares invadidos. Em seguida a Munduruku, com 1.592 hectares, também no Pará. Em terceiro a reserva Yanomami, com 414 hectares ocupados.

A resistência dos povos da floresta

“Em que pese isso tudo, há muita luta e organização social. Quilombolas estão fazendo processos de retomada dos territórios, trabalhadores e trabalhadoras continuam a cultivar mesmo diante do corte de recursos públicos e dos ataques do latifúndio e diversos povos indígenas organizaram guardas de autodefesa e até mesmo já fizeram autodemarcação de alguns territórios”, relata Gilberto.

No ano passado, os povos indígenas protagonizaram importantes manifestações em Brasilia na luta contra o marco temporal, mais uma tentativa de ataque à demarcação das terras oiriginárias. 

O professor lembra que na última sexta-feira (1), os agricultores de Anapu, no Pará, que haviam tido suas casas queimadas por pistoleiros, conseguiram com que o Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) editasse a portaria de criação do Assentamento Dorothy Stang, uma referência à freira do mesmo nome. “O que estava sendo considerado uma vitória em contraposição à violência e ao terror que vivenciam esses agricultores, sofrendo inclusive ameaças de morte, como foi o caso da liderança do Lote 96 Erasmo Téofhilo, antes de ser comemorada sofreu um baque”, indigna-se o professor Gilberto, que já enfrentou intimidações e coação de ruralistas e fazendeiros no estado do Pará por apoiar a luta dos trabalhadores rurais do município de Anapu.  

Nesta segunda-feira (4), o superintendente do Incra de Santarém,  Francisco de Sousa, pediu nulidade, ou seja suspensão temporária da criação do assentamento e ainda não há decisão sobre o pedido. 

Mesmo que desde 1500 com a chegada dos portugueses ao Brasil, os indígenas tendem a enfrentar inúmeras violências para defender a vida, a natureza e o meio ambiente, há momentos mais críticos. Os últimos quatro anos sob o governo Bolsonaro foram de destruição absoluta da Amazônia e de seus povos. Mas com a paciência de que quem vive e compreende a floresta, esses povos seguem lutando.    

“Os genocidas querem nos matar, nós decidimos que vamos enfrentá-los com nossa luta, sonhos e esperança”. A frase já virou um grito de guerra dos que lutam em para defender a Amazônia e os povos das florestas.

(Foto topo: Crianças Yanomamis na lente do fotótgrafo Renato Soares)

 

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